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O Fim da Isenção de Dividendos: Como a Tributação de 10% Vai Mudar a Vida de Empresários e Investidores

Após 30 anos de isenção, Câmara aprova taxação de dividendos acima de R$ 50 mil mensais. Janela para distribuir lucros de 2025 sem tributação se fecha em 31 de dezembro

Durante três décadas, empresários e investidores brasileiros desfrutaram de um privilégio tributário único: a distribuição de lucros e dividendos completamente isenta de Imposto de Renda. Esse benefício, instituído em 1995 durante o primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso, transformou o Brasil em raridade global entre economias desenvolvidas. Apenas a Letônia, na Europa, mantinha modelo semelhante entre os países da OCDE.

Essa era está chegando ao fim. A Câmara dos Deputados aprovou em primeiro de outubro de 2025, por unanimidade com 493 votos favoráveis, o Projeto de Lei 1087 que cria tributação de 10% sobre dividendos acima de R$ 50 mil mensais. A medida faz parte do pacote que eleva a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil, bandeira eleitoral do presidente Lula. O texto agora tramita no Senado, onde deverá sofrer apenas ajustes pontuais antes da sanção presidencial.

A mudança afeta diretamente cerca de 141 mil contribuintes de alta renda no país. Mas os efeitos vão muito além desse número. Empresários de pequenas e médias companhias, investidores em ações, sócios de holdings familiares e até fundos de investimento precisarão repensar completamente suas estratégias de remuneração e distribuição de resultados. A janela para aproveitar a última oportunidade de distribuir lucros sem tributação está se fechando rapidamente, e quem não agir até 31 de dezembro de 2025 pagará a conta.

A história da isenção e por que ela durou tanto tempo

A Lei 9249 de 26 de dezembro de 1995 representou mudança profunda no sistema tributário brasileiro. Antes daquele ano, dividendos eram tributados normalmente como renda pessoal, com alíquotas progressivas que chegavam a 35%. O governo Fernando Henrique Cardoso, através de seu ministro da Fazenda Pedro Malan, argumentou que a tributação de dividendos criava dupla imposição sobre os mesmos recursos.

A lógica apresentada era tecnicamente defensável. As empresas já recolhem Imposto de Renda da Pessoa Jurídica com alíquota de 15% mais adicional de 10% sobre lucros que excedem R$ 20 mil mensais, totalizando até 25% de IRPJ. Some-se a isso a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido de 9% para empresas não financeiras, chegando a 34% de tributação corporativa antes da distribuição aos sócios. Tributar novamente na pessoa física seria, segundo a tese governamental, penalizar duas vezes a mesma renda.

A medida também buscava simplificar o sistema e estimular capitalização das empresas. Ao tornar a distribuição de lucros isenta, o governo esperava que empresários mantivessem recursos nas companhias para reinvestimento, gerando empregos e crescimento econômico. A contrapartida foi a criação dos juros sobre capital próprio, mecanismo que permite remunerar acionistas com dedução fiscal para a empresa, tributando apenas 15% na pessoa física.

Durante três décadas, esse modelo funcionou como poderoso incentivo à formalização empresarial e à estruturação de negócios através de pessoas jurídicas. Profissionais liberais constituíam empresas para receber seus honorários como dividendos isentos em vez de pró-labore tributado. Executivos negociavam remuneração mista, combinando salário tradicional com participação nos lucros. E investidores estruturavam holdings para centralizar patrimônio e distribuir rendimentos sem incidência de IR.

Mas o sistema gerou distorções flagrantes. Estudos mostraram que o topo da pirâmide social brasileira, justamente os mais ricos, pagava proporcionalmente menos impostos que a classe média. Assalariados com rendimento de R$ 10 mil mensais recolhiam alíquota efetiva de 9% a 11% de Imposto de Renda. Empresários e investidores com renda mensal de R$ 100 mil ou mais, concentrada em dividendos, pagavam em média apenas 2,5%. A regressividade era indefensável do ponto de vista da justiça tributária.

Como funciona a nova tributação aprovada pela Câmara

O texto aprovado estabelece alíquota de 10% de Imposto de Renda retido na fonte sobre dividendos mensais superiores a R$ 50 mil pagos por uma mesma pessoa jurídica a uma mesma pessoa física residente no Brasil. A tributação incide sobre o valor total, não apenas sobre o que exceder os R$ 50 mil. Quem receber R$ 60 mil de dividendos terá R$ 6 mil retidos na fonte, e não apenas R$ 1 mil sobre os R$ 10 mil excedentes.

Se o mesmo investidor recebe dividendos de múltiplas empresas, o limite de R$ 50 mil é considerado por fonte pagadora. Alguém que recebe R$ 40 mil de uma companhia e R$ 40 mil de outra não sofrerá retenção na fonte de nenhuma das duas. Mas na declaração anual de ajuste, o total de R$ 80 mil entrará no cálculo do Imposto de Renda da Pessoa Física Mínimo, que pode gerar tributação adicional se a renda anual superar R$ 600 mil.

O IRPFM, sigla para Imposto de Renda da Pessoa Física Mínimo, funciona como segunda camada de tributação. Contribuintes com rendimentos totais superiores a R$ 600 mil anuais estarão sujeitos a alíquotas progressivas até 10% calculadas sobre base que inclui dividendos, aluguéis, aplicações financeiras e outras fontes de renda. O imposto já retido na fonte sobre dividendos poderá ser deduzido, evitando bitributação, mas a conta final garantirá que ninguém pague menos que o mínimo estabelecido em lei.

A inovação mais polêmica do projeto é o mecanismo de redutor de alíquota. O governo incluiu dispositivo para evitar que a soma da tributação corporativa mais a tributação pessoal sobre dividendos ultrapasse determinados limites: 34% para empresas não financeiras, 40% para seguradoras e 45% para instituições financeiras. Na prática, se uma empresa paga alíquota efetiva de 29% de IRPJ e CSLL, e o acionista sofre retenção de 10% sobre dividendos, a alíquota total chegaria a 39%. O redutor devolveria os 5 pontos percentuais excedentes aos 34% na declaração anual do contribuinte.

Especialistas criticam o redutor como complexidade desnecessária que transforma tributação em empréstimo compulsório. A Federação das Indústrias do Paraná calculou que contribuintes podem ter valores retidos por até 17 meses antes de receber restituição na declaração de ajuste anual. Para empresas e investidores que dependem de fluxo de caixa regular, essa retenção temporária representa custo financeiro significativo.

A janela de oportunidade que fecha em 31 de dezembro

O ponto mais crítico para empresários e investidores é a regra de transição. O texto aprovado estabelece que lucros e dividendos relativos a resultados apurados até o ano-calendário de 2025 não sofrerão retenção na fonte, desde que a distribuição seja aprovada pelo órgão societário competente até 31 de dezembro de 2025 e o pagamento efetivo ocorra até 2028 nos termos originalmente previstos no ato de aprovação.

Essa disposição cria corrida contra o relógio. Empresas que fecham balanço em dezembro de 2025 e conseguem aprovar distribuição de lucros antes da virada do ano poderão pagar esses valores aos sócios em 2026, 2027 ou 2028 sem incidência do novo imposto. Mas companhias que aguardam até janeiro ou fevereiro de 2026 para fechar demonstrações financeiras e aprovar distribuição verão seus dividendos automaticamente sujeitos à nova tributação.

A pressão sobre departamentos contábeis e jurídicos é enorme. Estimar resultados de 2025 com antecedência, convocar assembleias extraordinárias, deliberar sobre distribuição e formalizar tudo em ata antes de 31 de dezembro exige velocidade raramente vista no mundo corporativo. Empresas familiares, especialmente aquelas com estruturas informais de governança, enfrentam desafio adicional de reunir sócios, negociar montantes e cumprir formalidades legais em prazo apertado.

O risco de erro é alto. Empresas que antecipam distribuição com base em resultados estimados e depois apuram lucro menor terão que lidar com consequências societárias e fiscais. A distribuição de dividendos além dos lucros acumulados configura violação da legislação empresarial e pode gerar responsabilização de administradores. Por outro lado, empresas que pecar por excesso de conservadorismo, deixando de distribuir todo lucro possível até dezembro, perderão para sempre o benefício da isenção sobre esses valores.

Contadores e advogados recomendam equilíbrio. Empresas devem fazer projeção realista dos resultados de 2025, considerar margem de segurança para não distribuir além do lucro efetivo, mas ser agressivas o suficiente para aproveitar a última janela de isenção. A deliberação deve ser formalizada em assembleia com ata detalhada especificando valores, prazos de pagamento e condições. E o pagamento efetivo aos sócios deve seguir rigorosamente o cronograma aprovado, sob pena de questionamento fiscal.

Dividendos para o exterior: a tributação que pode afastar investimento estrangeiro

Um aspecto especialmente controverso da reforma é a tributação de 10% sobre lucros e dividendos remetidos ao exterior. Ao contrário da regra para pessoas físicas no Brasil, não há isenção para valores abaixo de R$ 50 mil mensais. Qualquer remessa de dividendos para acionistas no exterior sofrerá retenção de 10%, com três exceções: governos estrangeiros que concedam reciprocidade de tratamento ao Brasil, fundos soberanos e entidades previdenciárias no exterior.

A medida gerou reação imediata do setor produtivo. Multinacionais instaladas no Brasil, que já pagam IRPJ e CSLL sobre lucros antes da distribuição, verão tributação adicional no momento da remessa ao exterior. A alíquota efetiva total pode chegar a 40,6% ou até 46% para instituições financeiras, considerando IRPJ de 25%, CSLL de 9% e novo imposto de 10% sobre dividendos.

Esse patamar coloca o Brasil entre os países com maior carga tributária sobre lucros empresariais do mundo. Nações desenvolvidas praticam alíquotas corporativas médias de 23%, e através de tratados bilaterais reduzem a tributação sobre dividendos repatriados para 5% ou eliminam completamente a bitributação. A comparação desfavorável pode tornar o país menos atraente para investimentos estrangeiros, especialmente em setores com alternativas em outras jurisdições.

O governo tentou mitigar o problema estendendo o mecanismo de redutor para investidores estrangeiros. Se a soma da tributação corporativa mais o imposto sobre dividendos exceder 34%, o contribuinte terá direito a crédito para compensar a sobrecarga. Mas especialistas questionam a efetividade prática desse dispositivo. Obter restituição de valores retidos no Brasil através de declaração de ajuste pode ser impraticável para acionistas domiciliados no exterior, transformando a promessa de crédito em letra morta.

Há ainda o problema dos tratados internacionais para evitar dupla tributação. O Brasil mantém acordos com dezenas de países limitando a tributação de dividendos em 10% ou 15%. A nova legislação respeita esses limites, mas empresas argumentam que o espírito dos tratados era evitar sobrecarga tributária, não autorizar tributação em camada adicional. Litígios internacionais podem se arrastar por anos antes de definir a legalidade da medida.

O impacto no mercado de ações e nos investidores

Investidores em ações listadas na Bolsa de Valores enfrentam cenário de incerteza. Empresas que tradicionalmente distribuem altos percentuais do lucro como dividendos podem se tornar menos atraentes para pessoa física buscando renda passiva. A tributação de 10% sobre dividendos acima de R$ 50 mil mensais reduz o retorno líquido e pode deslocar capital para outras classes de ativos.

O impacto será maior em setores específicos. Companhias de geração e transmissão de energia elétrica, que operam sob contratos de longo prazo com fluxo de caixa previsível e distribuem dividendos generosos, podem ver suas ações perderem atratividade. O mesmo vale para empresas de saneamento, rodovias e outros ativos de infraestrutura que funcionam como pagadoras de renda. Bancos e seguradoras, embora também distribuam dividendos robustos, podem ser menos afetados por terem base diversificada de investidores institucionais que calculam retorno de forma diferente.

A boa notícia para pequenos investidores é que a isenção de R$ 50 mil mensais, equivalente a R$ 600 mil anuais, protege a maioria da população. Alguém que recebe R$ 3 mil mensais de dividendos de carteira diversificada continuará isento. O problema surge para investidores profissionais, aposentados que dependem de renda de investimentos e pessoas que acumularam patrimônio significativo em ações ao longo da vida. Para esses perfis, a tributação de 10% representa corte material no padrão de vida.

Analistas divergem sobre o efeito de longo prazo. Alguns argumentam que o mercado já precificou a mudança e empresas sólidas continuarão atraindo capital independente da tributação de dividendos. Outros temem migração de recursos para fundos imobiliários, que mantêm isenção de dividendos para pessoa física, ou para títulos incentivados como LCIs, LCAs e debêntures de infraestrutura, também blindados contra a nova tributação na versão final do projeto.

Estratégias de planejamento para empresários e sócios

Diante da nova realidade tributária, empresários precisam revisar completamente suas estratégias de remuneração. A primeira questão é definir o mix ideal entre pró-labore, que sofre tributação progressiva até 27,5% mais contribuições previdenciárias, e dividendos, agora tributados a 10% acima de R$ 50 mil mensais.

Para muitos empresários, pró-labore até o teto do INSS combinado com distribuição de lucros continuará sendo mais vantajoso que salário puro. A tributação de 10% sobre dividendos é inferior aos 27,5% da faixa máxima do IRPF. Mas a conta precisa considerar contribuições previdenciárias, que sobre pró-labore garantem direitos como aposentadoria e auxílios, enquanto dividendos não geram cobertura previdenciária.

Os juros sobre capital próprio ganham relevância renovada. Esse mecanismo permite remunerar sócios com dedução fiscal para a empresa, reduzindo IRPJ e CSLL, em troca de tributação de 15% na fonte sobre o valor recebido pelo beneficiário. Comparado aos 10% sobre dividendos acima de R$ 50 mil, pode parecer menos atraente para o sócio. Mas a economia tributária na empresa pode justificar o custo adicional pessoal, especialmente se a companhia opera com alíquotas nominais altas.

Empresas optantes pelo Simples Nacional enfrentam dilema específico. O regime simplificado não permite dedução de pró-labore nem distribuição de juros sobre capital próprio. Dividendos são a única forma de remunerar sócios além de salário tradicional. Com a nova tributação, microempresas e empresas de pequeno porte que geram lucros acima de R$ 50 mil mensais verão carga tributária efetiva aumentar. Para algumas, pode fazer sentido migrar para Lucro Presumido ou Lucro Real, abrindo acesso a planejamento tributário mais sofisticado.

Holding familiar volta ao centro das estratégias patrimoniais. Centralizar participações societárias, imóveis e investimentos em holding permite gerenciar distribuições de forma otimizada, aproveitando isenção de R$ 50 mil mensais por sócio da holding. Família com quatro membros pode distribuir até R$ 200 mil mensais sem tributação, diluindo a carga sobre montantes maiores. Mas a estruturação exige cuidados para evitar caracterização de fraude ou simulação, sujeitando a operação à desconsideração pela Receita Federal.

As mudanças no Simples Nacional e no Lucro Presumido

O impacto da tributação de dividendos varia drasticamente conforme o regime tributário da empresa. Companhias no Simples Nacional, que representam mais de 80% das empresas brasileiras, não têm alternativa. O regime unificado não permite distinção entre lucro e faturamento para fins de distribuição aos sócios. Todo valor retirado além de pró-labore é considerado dividendo e estará sujeito à nova regra de 10% sobre montantes acima de R$ 50 mil mensais.

Para empresas enquadradas no Lucro Presumido, a situação permite maior flexibilidade. Esse regime presume margem de lucro conforme a atividade, geralmente entre 8% e 32% do faturamento, e aplica IRPJ e CSLL sobre esse valor presumido. O lucro efetivo pode ser maior ou menor que o presumido, mas a tributação incide apenas sobre a presunção. Dividendos distribuídos além do lucro presumido, desde que compatíveis com o patrimônio líquido da empresa, não sofrem questionamento fiscal.

A combinação de Lucro Presumido com planejamento patrimonial pode reduzir impacto da nova tributação. Empresas com margem de lucro real superior à presumida se beneficiam duplamente: pagam menos IRPJ e CSLL na pessoa jurídica e podem distribuir dividendos até o limite do patrimônio sem maiores complicações. A chave está em manter escrituração contábil regular demonstrando origem dos lucros distribuídos.

No Lucro Real, regime obrigatório para empresas com faturamento acima de R$ 78 milhões anuais e opcional para as demais, a tributação incide sobre lucro contábil efetivo. Esse regime oferece maior precisão mas também maior complexidade de apuração. A vantagem é poder deduzir todas as despesas operacionais legítimas, incluindo juros sobre capital próprio, reduzindo base tributável antes da distribuição aos sócios.

Empresas em transição de regime precisam atenção redobrada. Trocar de Simples Nacional para Lucro Presumido ou Real, ou entre esses dois últimos, só pode ser feito no início do ano-calendário mediante comunicação à Receita Federal. Decisões tomadas agora em função da tributação de dividendos vincularão a empresa por todo 2026. Simulações detalhadas considerando faturamento esperado, margens operacionais e distribuições pretendidas são essenciais antes de optar por mudança.

O que fazer agora: plano de ação para os próximos meses

O tempo para planejamento está se esgotando. Empresas e investidores devem agir em múltiplas frentes simultaneamente para minimizar impacto da nova tributação. A primeira providência urgente é fazer levantamento completo dos lucros acumulados e não distribuídos até 31 de dezembro de 2024. Esses valores representam última oportunidade de distribuição isenta, já que foram apurados em exercício anterior a 2025.

Em seguida, projetar com a maior precisão possível os resultados de 2025. Empresas devem fechar balancetes intermediários, revisar todas as receitas e despesas do ano, considerar ajustes de fim de exercício e estimar lucro líquido antes do encerramento formal do balanço. Essa projeção sustentará a deliberação de distribuição de dividendos ainda em 2025, aproveitando a última janela de isenção.

A convocação de assembleia ou reunião de sócios deve ser agendada para dezembro, com pauta específica incluindo aprovação de balanço intermediário se necessário e deliberação sobre distribuição de lucros acumulados e de parte dos resultados de 2025. A formalização em ata registrada é crucial para comprovar que a decisão ocorreu dentro do prazo legal. E o cronograma de pagamento aos sócios deve ser estabelecido com clareza, mesmo que a efetiva transferência de recursos ocorra ao longo de 2026 a 2028.

Paralelamente, revisão completa da estrutura societária e sucessória ganha urgência. Holdings familiares podem precisar ser criadas ou reorganizadas. Pactos societários devem ser revistos para acomodar novas regras de distribuição e remuneração de sócios. E testamentos ou planejamentos sucessórios que consideravam dividendos isentos precisam ser atualizados refletindo novo cenário tributário.

Investidores em ações devem reavaliar suas carteiras priorizando empresas com solidez patrimonial e capacidade de geração de valor independente da política de dividendos. A diversificação entre pagadoras de proventos e empresas de crescimento pode se tornar ainda mais importante. E a consideração de fundos imobiliários e títulos incentivados, que mantêm isenção, merece lugar no portfólio como hedge contra a nova tributação de dividendos.

Por fim, buscar assessoria especializada não é opcional, é obrigatório. A complexidade das regras, as múltiplas interpretações possíveis e os riscos de erro justificam investimento em consultoria tributária e jurídica qualificada. Escritórios especializados em direito tributário e planejamento patrimonial relatam explosão na demanda por serviços nas últimas semanas. Quem deixar para última hora pode não encontrar profissionais disponíveis.

Os números que ninguém pode ignorar

A tributação de dividendos afetará diretamente 141,4 mil contribuintes pessoas físicas de alta renda, segundo projeções do governo. Esse grupo representa menos de 0,1% da população brasileira, mas concentra parcela desproporcional da riqueza do país. A arrecadação adicional prevista é de aproximadamente R$ 25,8 bilhões no primeiro ano de vigência, valor que será destinado a compensar estados e municípios pela perda de receita com ampliação da isenção do IR.

Para empresas, o impacto varia conforme o perfil de distribuição. Companhias que tradicionalmente pagam 80% do lucro como dividendos verão carga tributária efetiva sobre seus acionistas aumentar significativamente. Aquelas que retêm a maior parte dos lucros para reinvestimento, distribuindo apenas percentual minoritário, sofrerão impacto menor. E empresas de capital fechado, controladas por poucos sócios, terão mais flexibilidade para ajustar estratégias de remuneração que companhias abertas, sujeitas a expectativas de mercado.

O mercado de ações já começou a precificar a mudança. Ações de empresas conhecidas por dividendos generosos apresentaram volatilidade maior nas semanas seguintes à aprovação na Câmara. Mas analistas ponderam que outros fatores, como taxa de juros e cenário macroeconômico, têm peso muito maior nas cotações que mudanças tributárias pontuais. No longo prazo, empresas sólidas continuarão atraindo investidores independente da tributação sobre proventos.

O futuro da tributação sobre a renda no Brasil

A aprovação da tributação de dividendos marca apenas mais uma etapa da gradual reforma da tributação sobre a renda no Brasil. Nos últimos anos, o país viu mudanças sucessivas reduzindo benefícios fiscais e elevando carga sobre altas rendas. A nova regra para tributação de subvenções a partir de 2024, as alterações nos juros sobre capital próprio pela Lei 14789 de 2023, e o adicional de CSLL equivalente ao QDMTT do Pilar 2 que entra em vigor em 2025 são exemplos dessa tendência.

A expectativa é que o governo federal, independente de coloração partidária, continue buscando maior progressividade na tributação. O sistema brasileiro historicamente concentrou impostos sobre consumo, que afeta proporcionalmente mais os mais pobres, enquanto aliviava tributação sobre renda e patrimônio. A correção desse desequilíbrio estrutural exige múltiplas medidas ao longo de anos, e a taxação de dividendos é apenas uma delas.

Especialistas divergem sobre o rumo ideal. Defensores da tributação mais pesada sobre altas rendas argumentam que o Brasil precisa reduzir desigualdades gritantes e financiar serviços públicos essenciais. Críticos alertam que tributação excessiva afasta investimentos, reduz incentivos ao empreendedorismo e pode resultar em menor crescimento econômico prejudicando justamente os mais vulneráveis que dependem de empregos gerados pelo setor privado.

O debate continuará. Mas a realidade prática para empresários e investidores é que a isenção de dividendos acabou. Adaptar-se ao novo cenário não é questão de concordar ou discordar da política tributária, mas de sobreviver e prosperar dentro das regras estabelecidas. Quem se antecipar, planejar adequadamente e executar com competência terá vantagens sobre quem esperar passivamente pelo desenrolar dos acontecimentos.


Fontes: Projeto de Lei 1087/2025, Lei 9249/1995, Câmara dos Deputados, Senado Federal, Ministério da Fazenda, Receita Federal do Brasil, Mattos Filho Advogados, PWC Brasil, Federação das Indústrias do Paraná (Fiep), Comitê das Secretarias de Fazenda dos Estados (Comsefaz).

Última atualização: Outubro de 2025

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