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O Fim da Guerra Fiscal: Como a Reforma Tributária Muda o Jogo da Atração de Investimentos no Brasil

Fundo de R$ 160 bilhões promete compensar empresas que perderão incentivos do ICMS, mas especialistas alertam para armadilhas que podem deixar companhias no prejuízo

Durante décadas, estados brasileiros travaram uma batalha silenciosa pela atração de investimentos. A arma principal dessa guerra não eram rodovias, portos ou universidades, mas sim generosas isenções fiscais de ICMS. Empresas migravam de São Paulo para Goiás, de Minas Gerais para Santa Catarina, do Rio de Janeiro para o interior do Nordeste, sempre seguindo o rastro dos incentivos tributários mais vantajosos. Essa prática, conhecida como guerra fiscal, moldou a geografia econômica brasileira nas últimas quatro décadas.

A Reforma Tributária promete encerrar definitivamente esse capítulo. Com a substituição gradual do ICMS pelo IBS entre 2029 e 2032, os benefícios fiscais estaduais serão progressivamente extintos. Para atenuar o impacto sobre empresas que se instalaram confiando nesses incentivos, a União criou o Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais, com aporte total de R$ 160 bilhões distribuídos ao longo de oito anos. Mas a promessa de compensação esconde armadilhas que podem deixar muitas companhias no prejuízo, obrigando-as a repensar completamente suas estratégias de localização e expansão.

Como a guerra fiscal se tornou estratégia de desenvolvimento regional

A guerra fiscal começou discretamente nos anos 1990, ganhou força nos anos 2000 e se consolidou como prática generalizada na década seguinte. Estados competiam oferecendo reduções de alíquota, créditos presumidos, diferimento de pagamento e até financiamento direto da construção de fábricas. A lógica por trás dessa estratégia era simples: abrir mão de receita tributária no curto prazo para gerar empregos, movimentar a economia local e arrecadar outros tributos como ISS, IPTU e taxas diversas.

Cidades de médio porte se transformaram em polos industriais da noite para o dia. Itajaí, em Santa Catarina, atraiu importadoras e distribuidoras com benefícios nas operações portuárias. Goiás se tornou destino preferencial de montadoras e indústrias farmacêuticas. Minas Gerais criou regimes especiais para o setor de mineração e agropecuária. Pernambuco desenvolveu o Programa de Desenvolvimento do Estado através de incentivos para agroindústrias sucroalcooleiras.

O problema é que essa competição criou distorções profundas no sistema tributário. Empresas localizavam unidades produtivas não onde fazia sentido logístico ou operacional, mas onde o incentivo fiscal era mais generoso. Estados perdiam receita em proporções insustentáveis, criando dependência crônica de transferências federais. E a insegurança jurídica era enorme, já que muitos benefícios eram concedidos sem aprovação unânime do Confaz, conforme exigia a Lei Complementar 24 de 1975.

A Reforma Tributária busca corrigir essas distorções através de três mudanças estruturais: a tributação no destino, onde o imposto fica no local de consumo e não de produção; a criação do IBS com alíquota uniforme em todo território nacional; e a proibição constitucional de novos incentivos fiscais do imposto sobre bens e serviços. O artigo 156-A da Constituição, incluído pela Emenda Constitucional 132 de 2023, deixa claro que o IBS não poderá ser objeto de concessão de incentivos fiscais.

O calendário da extinção e o que empresas devem esperar em cada etapa

A extinção dos benefícios fiscais seguirá cronograma gradual para evitar ruptura abrupta. Entre 2025 e 2028, os incentivos de ICMS serão mantidos integralmente, sem qualquer limitação à fruição. Essa janela de quatro anos visa garantir segurança jurídica às empresas beneficiárias enquanto o novo sistema é implantado. Durante esse período, nada muda para quem já desfruta de benefícios regulares.

A redução efetiva começa em 2029, quando as alíquotas de ICMS serão diminuídas em 10% e a alíquota de IBS aumentará na mesma proporção. A partir daí, o processo se repete anualmente. Em 2030, nova redução de 10% no ICMS e aumento equivalente no IBS. O movimento segue em 2031 e culmina em 31 de dezembro de 2032, quando o ICMS será definitivamente extinto e o IBS assumirá a totalidade da tributação sobre bens e serviços no âmbito estadual e municipal.

Essa transição progressiva busca dar tempo para empresas se adaptarem e estados desenvolverem novas estratégias de atração de investimentos. Mas especialistas alertam que quatro anos pode ser pouco para companhias que estruturaram toda sua operação com base em benefícios que podem representar economia de 10%, 15% ou até 20% do faturamento. Decisões de relocalização de unidades produtivas, revisão de contratos de fornecimento e renegociação com clientes não acontecem da noite para o dia.

Fundo de R$ 160 bilhões: a promessa de compensação e suas limitações

O Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais é a peça central do acordo político que viabilizou a aprovação da reforma. A União se compromete a destinar R$ 160 bilhões entre 2025 e 2032, com desembolsos anuais crescentes que começam em R$ 8 bilhões no primeiro ano e atingem o pico de R$ 32 bilhões em 2028, antes de iniciar trajetória descendente até R$ 8 bilhões em 2032.

Os recursos não entrarão no limite de despesas primárias da União, conforme regras do arcabouço fiscal. Caso o dinheiro não seja suficiente para pagar todos os benefícios calculados, a União terá que complementar. Por outro lado, se sobrarem recursos, eles serão transferidos sem redução ou compensação para o Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional, também criado pela reforma e que receberá R$ 570 bilhões entre 2029 e 2042.

Mas quem de fato terá direito a esse dinheiro? A legislação impõe critérios rigorosos. A compensação se restringe aos benefícios onerosos do ICMS, aqueles concedidos por prazo certo e sob condição, nos termos do artigo 178 do Código Tributário Nacional. Benefícios genéricos, declaratórios ou vinculados exclusivamente a fundos estaduais não são elegíveis. E os incentivos precisam ter sido concedidos regularmente até 31 de maio de 2023, com registro e depósito conforme regras da Lei Complementar 160 de 2017.

A habilitação junto à Receita Federal poderá ser feita entre primeiro de janeiro de 2026 e 31 de dezembro de 2028. As empresas deverão apresentar documentação comprovando o registro do benefício no Confaz, o cumprimento de todas as contrapartidas exigidas nos atos concessivos, e a apuração mensal da repercussão econômica do incentivo. A Receita terá até 60 dias para homologar o crédito e mais 30 dias para efetuar o repasse, totalizando até 120 dias entre solicitação e pagamento.

A armadilha escondida nos cálculos: quando a compensação não cobre o custo do IBS

Aqui mora o principal risco para as empresas beneficiárias. Um estudo técnico revelou que o valor devolvido pelo Fundo pode ser inferior ao montante efetivamente pago de IBS a partir de 2029, gerando impacto negativo no caixa das companhias. A matemática é cruel para quem não fizer as contas com antecedência.

Considere uma operação interestadual com valor de R$ 200 mil, tributada pelo ICMS à alíquota original de 12%. Antes da reforma, essa operação geraria ICMS devido de R$ 24 mil. Com benefício fiscal de crédito presumido de 100%, esse valor seria integralmente lançado a crédito, resultando em custo tributário zero para o contribuinte.

Com a reforma, em 2029 a alíquota do ICMS será reduzida em 10%, passando para 10,8% nesse exemplo. O benefício fiscal de crédito presumido também será ajustado proporcionalmente, gerando compensação pelo Fundo de R$ 2,4 mil (10% de R$ 24 mil). Mas nesse ano a tributação de IBS também ocorrerá, com 10% da alíquota praticada pelos entes. Considerando alíquota estimada de 18,7% para o IBS, a operação será tributada à alíquota efetiva de 1,87%. Aplicando sobre o valor da operação, a empresa pagará R$ 3,74 de IBS.

A diferença é significativa. O valor do IBS devido de R$ 3,74 mil supera o que a empresa receberá de volta pelo Fundo, de R$ 2,4 mil. Essa diferença de R$ 1,34 mil representa custo tributário adicional não compensado, causando redução real no caixa da companhia. Multiplique isso por centenas ou milhares de operações mensais e o impacto pode se tornar insustentável para empresas com margens estreitas.

Esse descompasso entre valor do IBS pago e compensação recebida pelo Fundo pode gerar aumento da carga tributária efetiva mesmo com o sistema de compensação, redução da competitividade de empresas que dependiam fortemente dos benefícios fiscais, e necessidade de recomposição de preços ou renegociação com clientes para manter viabilidade do negócio.

Quais benefícios realmente serão compensados e os critérios que eliminarão muitas empresas

A definição de benefício oneroso e os procedimentos de comprovação serão fonte de litígios nos próximos anos. Estados e empresas defendem interpretação ampla, que inclua contrapartidas não apenas diretas como geração de empregos e investimentos em infraestrutura, mas também indiretas como recolhimentos a fundos estaduais de desenvolvimento. A Receita Federal, por outro lado, tende a adotar postura restritiva para limitar desembolsos.

Benefícios de crédito presumido, que permitem ao contribuinte lançar valores fictícios como crédito do imposto, estão entre os mais comuns e provavelmente serão compensados se atenderem aos requisitos. Diferimento de pagamento, que adia o recolhimento para etapa posterior da cadeia, também pode ser enquadrado como oneroso se houver contrapartida exigida. Redução de base de cálculo e de alíquota terão tratamento caso a caso, dependendo das condições impostas no ato concessivo.

Já benefícios genéricos, concedidos indistintamente a todos contribuintes de determinado setor sem exigência de contrapartida, provavelmente ficarão de fora. O mesmo vale para isenções puras e simples que podem ser revogadas a qualquer tempo. E incentivos vinculados exclusivamente a fundos estaduais, sem contrapartida direta da empresa, também enfrentarão dificuldades para comprovação.

O Comitê das Secretarias de Fazenda dos Estados apresentou emenda ao projeto de lei complementar buscando definir de maneira mais assertiva os incentivos passíveis de compensação. Os estados defendem adequação do conceito de onerosidade às realidades regionais e maior clareza sobre benefícios prorrogados e renovados. A insegurança jurídica preocupa tanto empresas quanto governos estaduais, já que bilhões de reais dependem de interpretações ainda não consolidadas.

O reposicionamento forçado: empresas terão que escolher onde ficar por motivos reais

Com o fim da guerra fiscal, empresas passarão a priorizar fatores operacionais e logísticos para definição de suas sedes e filiais, deixando de lado a busca por incentivos fiscais regionais. Essa mudança induz revisão estratégica profunda, especialmente para companhias com atuação em estados que dependiam de benefícios para manter competitividade.

Proximidade de mercado consumidor ganha peso determinante. Com a tributação no destino, estar perto de onde os produtos serão consumidos passa a fazer sentido econômico. Infraestrutura logística vira diferencial competitivo real, não apenas promessa de incentivo. Portos, aeroportos, rodovias em bom estado e sistemas de transporte integrados se tornam mais relevantes que alíquotas reduzidas.

Qualificação de mão de obra e ecossistema de inovação também sobem na lista de prioridades. Empresas de tecnologia e serviços especializados buscarão regiões com universidades de qualidade, centros de pesquisa e ambiente favorável à inovação. O modelo do Porto Digital em Recife, que atraiu empresas de TI não por incentivos fiscais mas por qualificação técnica e ambiente colaborativo, tende a se multiplicar.

Custos operacionais como energia, água, aluguel e serviços entram na conta de forma mais transparente. Sem a distorção dos benefícios fiscais que mascaravam custos reais, empresas farão análises mais precisas de viabilidade econômica por localização. E segurança jurídica e qualidade da gestão pública estadual passam a ser fatores de atração, já que empresas precisarão confiar na estabilidade regulatória de longo prazo.

A tendência preocupante é de migração de investimentos para regiões mais desenvolvidas, especialmente Sul e Sudeste, que concentram mercado consumidor, infraestrutura e mão de obra qualificada. Isso pode, se não acompanhado de políticas compensatórias eficientes através do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional, acentuar desigualdades regionais com impactos adversos sobre emprego e arrecadação nos estados menos favorecidos.

Casos emblemáticos: Itajaí, Goiânia e outras cidades que cresceram com incentivos

Itajaí exemplifica os desafios que cidades médias enfrentarão. O município catarinense se consolidou como polo logístico e industrial devido ao porto e aos benefícios fiscais de ICMS que atraíram empresas importadoras e indústrias que beneficiam insumos importados. Com a extinção desses incentivos, o cenário muda drasticamente. Empresas que se instalaram exclusivamente por benefícios podem migrar para regiões com maior mercado consumidor, como São Paulo ou Rio de Janeiro, onde a tributação no destino será mais vantajosa. A importação, antes favorecida por isenções de ICMS, perderá competitividade já que o IBS incidirá uniformemente independente da origem.

Goiânia e o interior de Goiás viveram boom industrial nas últimas duas décadas baseado em generosos pacotes de incentivos fiscais. Montadoras, indústrias farmacêuticas e empresas de logística se instalaram no estado atraídas por créditos presumidos que podiam chegar a 70% do ICMS devido. A transição para o IBS forçará essas empresas a avaliar se os custos operacionais e logísticos do interior do Centro-Oeste ainda fazem sentido sem os benefícios tributários.

Gavião Peixoto, pequeno município do interior paulista, abriga a Embraer não por incentivos fiscais mas por requisitos técnicos como extensa pista de testes. Esse modelo de localização baseada em necessidades operacionais reais tende a se tornar regra. Cidades que investiram em ativos tangíveis como infraestrutura, educação técnica e ambiente de negócios sairão fortalecidas da transição. Aquelas que dependiam exclusivamente de renúncia fiscal enfrentarão êxodo de empresas.

O setor sucroalcooleiro no Nordeste ilustra outro desafio. Usinas de açúcar e etanol em Pernambuco e Alagoas dependem fortemente de créditos presumidos de ICMS para competir com produtores do Centro-Sul. A compensação pelo Fundo será crucial para viabilidade dessas operações durante a transição. Mas após 2032, essas empresas terão que encontrar eficiência operacional real ou enfrentar dificuldades para se manter no mercado.

O que empresas devem fazer agora para se preparar

A janela de preparação está aberta mas não durará para sempre. Empresas beneficiárias de incentivos fiscais de ICMS precisam agir em múltiplas frentes simultaneamente. A primeira providência é mapear todos os benefícios atualmente utilizados, identificando quais se enquadram como onerosos e elegíveis para compensação pelo Fundo. Documentação completa dos atos concessivos, registros no Confaz conforme Lei Complementar 160 de 2017, e comprovação do cumprimento de contrapartidas devem ser organizados antes mesmo do período de habilitação.

A modelagem financeira detalhada vem em seguida. Empresas precisam simular o impacto da transição ano a ano entre 2029 e 2032, calculando quanto pagarão de IBS e quanto receberão de compensação do Fundo. Essa análise revelará se há descompasso entre custos e benefícios, permitindo planejamento antecipado de medidas mitigadoras como recomposição de preços, renegociação com fornecedores ou até reestruturação de operações.

A avaliação estratégica de localização ganha urgência. Empresas com múltiplas unidades produtivas devem analisar quais fazem sentido econômico sem incentivos fiscais. Proximidade de mercado, custos logísticos, disponibilidade de mão de obra qualificada e infraestrutura passam a ser critérios determinantes. Decisões de consolidação de plantas, abertura de novos centros de distribuição ou até mudança de sede devem considerar o cenário pós-2032.

A habilitação tempestiva junto à Receita Federal é crucial. O prazo entre primeiro de janeiro de 2026 e 31 de dezembro de 2028 pode parecer longo, mas o volume de empresas buscando habilitação será enorme. Quem deixar para última hora pode enfrentar gargalos no sistema e perder direitos por falhas processuais. A recomendação é iniciar a organização documental imediatamente e protocolar pedidos assim que o sistema estiver disponível.

Por fim, empresas devem considerar alternativas ao modelo dependente de incentivos. Investimento em inovação, ganhos de produtividade, diferenciação de produtos e serviços, e desenvolvimento de vantagens competitivas reais substituirão benefícios fiscais como estratégia de sobrevivência. Companhias que se anteciparem nessa transformação sairão fortalecidas. Aquelas que esperarem passivamente verão sua competitividade minguar.

O novo papel dos estados e o Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional

Com a proibição de conceder incentivos fiscais do IBS, estados precisarão reinventar estratégias de atração de investimentos. O Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional surge como principal ferramenta para essa finalidade. Com aportes de R$ 570 bilhões entre 2029 e 2042 e mais R$ 60 bilhões anuais a partir de 2043, o FNDR visa reduzir desigualdades regionais através de investimentos em infraestrutura, educação e inovação.

A distribuição dos recursos do FNDR seguirá critérios que privilegiem estados menos desenvolvidos, numa tentativa de corrigir distorções históricas. Mas ainda há indefinição sobre governança do Fundo, critérios objetivos de distribuição e mecanismos de prestação de contas. Estados temem que centralização na União reduza autonomia federativa e transforme o FNDR em moeda de troca política.

A expectativa é que estados passem a competir por qualidade de serviços públicos, ambiente regulatório favorável, infraestrutura de transportes e comunicações, e programas de qualificação profissional. Essa seria a transição idealizada pelos defensores da reforma: da competição predatória por renúncia fiscal para competição virtuosa por excelência na gestão pública.

Mas o risco é que estados menos desenvolvidos, sem capacidade de investimento próprio e dependentes do FNDR, fiquem ainda mais vulneráveis. A guerra fiscal, por todos seus defeitos, permitia que governadores tivessem alguma margem de manobra para atrair empresas. Com sua extinção e recursos do FNDR insuficientes ou mal direcionados, regiões periféricas podem ver estagnação econômica e perda de população para grandes centros.

A conta que não fecha: insegurança jurídica e litígios anunciados

Especialistas alertam que as regras do Fundo de Compensação, por mais detalhadas que pareçam, deixam lacunas que gerarão controvérsias. A definição de benefício oneroso é suficientemente vaga para permitir interpretações conflitantes. Empresas defenderão que praticamente todo incentivo tinha contrapartida, ainda que implícita. A Receita Federal buscará restringir ao máximo para reduzir desembolsos.

A comprovação do cumprimento de condições impostas nos atos concessivos será fonte de disputas. Muitos incentivos foram concedidos há anos ou décadas, com documentação precária e critérios subjetivos como manutenção de empregos ou investimentos em infraestrutura. Comprovar agora que essas condições foram satisfeitas durante todo período de fruição pode ser impossível para algumas empresas.

A questão dos benefícios irregulares adiciona complicação. Milhares de empresas usufruem de incentivos concedidos sem aprovação unânime do Confaz, tecnicamente em desacordo com a Lei Complementar 24 de 1975. O Supremo Tribunal Federal já decidiu que esses benefícios são ilegítimos, mas sua extinção abrupta causaria caos econômico. A reforma tributária busca regularizar a situação através do Fundo de Compensação, mas empresas com benefícios irregulares podem enfrentar questionamentos adicionais.

O prazo para análise pela Receita Federal, de até 60 dias para homologação mais 30 dias para pagamento, parece razoável no papel. Mas com milhares de empresas habilitando-se simultaneamente e controvérsias sobre documentação, interpretação de normas e cálculo de valores, o processamento pode se arrastar por meses ou anos. Empresas que dependem dos recursos para manter operações podem enfrentar crise de liquidez.

O futuro sem guerra fiscal e o que virá depois de 2032

A promessa é tentadora: sistema tributário simplificado, transparente e neutro, onde empresas decidem localização por critérios econômicos racionais em vez de seguir incentivos artificiais. Competição saudável entre estados baseada em qualidade de gestão pública e investimentos reais em infraestrutura. Redução de desigualdades regionais através do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional bem administrado.

A realidade provavelmente será mais complexa. Mudanças estruturais dessa magnitude sempre produzem consequências não previstas e grupos perdedores que resistirão. Estados que construíram economias inteiras baseadas em incentivos fiscais verão arrecadação e empregos migrarem para regiões mais desenvolvidas. Empresas que estruturaram operações confiando na estabilidade de benefícios de longo prazo podem se sentir traídas pelo fim abrupto das regras.

O sucesso da transição dependerá de implementação eficaz do Fundo de Compensação sem burocracias excessivas que inviabilizem acesso aos recursos, funcionamento adequado do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional com critérios transparentes e investimentos que realmente reduzam desigualdades, capacidade de adaptação das empresas em período relativamente curto de quatro anos de redução gradual, e compromisso político dos três níveis de governo com o espírito da reforma.

O fim da guerra fiscal marca o encerramento de um modelo que, por todas suas distorções, permitiu industrialização de regiões afastadas dos grandes centros e gerou milhões de empregos em locais que de outra forma permaneceriam estagnados. O desafio agora é construir modelo alternativo que mantenha esses ganhos sem as ineficiências e injustiças do sistema antigo. Empresas inteligentes não esperarão respostas definitivas antes de agir. A transformação já começou, e quem se antecipar terá vantagens decisivas sobre quem esperar passivamente pelo desfecho.


Fontes: Lei Complementar 214/2025, Emenda Constitucional 132/2023, Ministério da Fazenda, Comitê das Secretarias de Fazenda dos Estados (Comsefaz), Receita Federal do Brasil, Câmara dos Deputados, Senado Federal, Conselho Estadual de Defesa do Contribuinte de São Paulo (Codecon/SP).

Última atualização: Outubro de 2025

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