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Relações Trabalhistas na Empresa – Terceirização, PJ e Novas Modalidades de Contratação

Entenda os riscos e a segurança jurídica nas diferentes formas de contratação de trabalhadores

A Justiça do Trabalho brasileira movimentou mais de 2,5 milhões de novos processos em 2024, segundo dados do Tribunal Superior do Trabalho. Desse total, significativa parcela envolve discussões sobre a natureza da relação de trabalho, questionamentos sobre terceirização irregular e reconhecimento de vínculo empregatício em contratos firmados como prestação de serviços por pessoa jurídica. Para empresas de todos os portes, a escolha da modalidade de contratação de trabalhadores representa decisão estratégica que impacta custos, riscos jurídicos e flexibilidade operacional.

As reformas trabalhistas dos últimos anos ampliaram as possibilidades de contratação, mas também criaram zonas cinzentas que geram insegurança jurídica. Empresários enfrentam o dilema entre buscar eficiência através de modelos flexíveis de contratação e proteger-se contra passivos trabalhistas milionários decorrentes de reconhecimento de vínculo empregatício. Compreender os limites legais de cada modalidade, os requisitos para contratação lícita e os sinais de alerta que atraem fiscalização e processos judiciais tornou-se competência essencial para gestores e empreendedores.

O vínculo empregatício e seus elementos caracterizadores

Antes de explorar alternativas de contratação, é fundamental compreender o que caracteriza juridicamente uma relação de emprego. A Consolidação das Leis do Trabalho estabelece que há vínculo empregatício quando presentes simultaneamente cinco elementos: pessoalidade, não eventualidade, onerosidade, subordinação e alteridade.

A pessoalidade significa que o trabalho deve ser prestado pessoalmente pelo trabalhador contratado, não podendo ser substituído por outra pessoa a seu critério. A não eventualidade indica que os serviços são prestados de forma contínua, habitual, fazendo parte da rotina operacional da empresa. A onerosidade representa o pagamento pela prestação do trabalho, ou seja, o caráter não gratuito da relação.

A subordinação é o elemento mais característico e debatido da relação de emprego. Manifesta-se através do poder diretivo do empregador sobre o empregado, determinando como, quando e onde o trabalho será executado. A alteridade, por fim, significa que os riscos da atividade econômica pertencem ao empregador, não ao trabalhador, que recebe remuneração independentemente do sucesso ou fracasso do negócio.

Quando esses cinco elementos estão presentes, independentemente do nome dado à relação pelas partes, existe vínculo empregatício com todas as suas consequências legais. Contratos de prestação de serviços, cooperativas, estágios ou outras denominações não afastam o reconhecimento do vínculo se, na prática, a relação possui natureza empregatícia. Esse princípio, conhecido como primazia da realidade, é um dos pilares do direito do trabalho brasileiro.

Terceirização trabalhista após a reforma de 2017

A terceirização trabalhista passou por mudanças profundas com a Lei 13.429/2017 e a reforma trabalhista de 2017. Antes dessas alterações legislativas, a terceirização era permitida apenas para atividades-meio da empresa, vedada para atividades-fim. Essa distinção gerava insegurança jurídica enorme, com interpretações divergentes sobre o que seria atividade-meio ou fim em cada segmento.

A legislação atual permite a terceirização tanto de atividades-meio quanto de atividades-fim, desde que realizada através de empresa interposta regularmente constituída. A empresa tomadora pode contratar empresa de terceirização para fornecer trabalhadores que atuarão em qualquer etapa do processo produtivo, incluindo atividades essenciais do negócio.

Para que a terceirização seja lícita, a empresa prestadora de serviços deve ser regularmente constituída, com objeto social compatível com os serviços prestados, capital social adequado, estrutura operacional própria e responsabilidade sobre a gestão dos trabalhadores. Não basta ser empresa de fachada criada apenas para intermediar mão de obra.

A responsabilidade da empresa tomadora pelos débitos trabalhistas da prestadora é subsidiária, o que significa que a tomadora só responde se a prestadora não possuir bens suficientes para quitar as obrigações. Essa responsabilidade subsidiária, contudo, exige que a tomadora tenha fiscalizado o cumprimento das obrigações trabalhistas pela prestadora, exigindo documentação comprobatória mensal.

Apesar da liberalização da terceirização, a jurisprudência permanece atenta a fraudes. Terceirização que mascara relação de emprego direto, com subordinação direta aos prepostos da tomadora, pessoalidade excessiva e integração completa do terceirizado à estrutura operacional da tomadora, pode ser desconsiderada judicialmente, reconhecendo-se vínculo direto com responsabilidade plena da tomadora.

Contratação de pessoa jurídica e o risco de pejotização

A contratação de profissionais através de pessoa jurídica, popularmente chamada de PJ, tornou-se prática comum em diversos setores, especialmente em áreas de tecnologia, consultoria, medicina e serviços especializados. Essa modalidade oferece vantagens para ambas as partes: o profissional pode ter carga tributária menor e maior liberdade na gestão de seu tempo, enquanto a empresa contratante reduz encargos trabalhistas e ganha flexibilidade para ajustar sua força de trabalho.

Porém, a contratação de PJ esconde armadilhas jurídicas significativas. A chamada pejotização, prática de forçar ou induzir trabalhadores a constituírem pessoa jurídica para prestarem serviços que, na essência, possuem natureza empregatícia, é ilegal e gera responsabilização severa. A Justiça do Trabalho não se vincula à forma jurídica adotada pelas partes, analisando a realidade da prestação dos serviços.

Para que a contratação de pessoa jurídica seja considerada lícita, alguns requisitos devem estar presentes. O profissional deve possuir autonomia real na execução dos serviços, sem subordinação hierárquica ou controle rígido de horário. Deve assumir os riscos de sua atividade, podendo ter lucro ou prejuízo. Precisa possuir estrutura própria, ainda que mínima, como escritório, equipamentos e possibilidade de contratar auxiliares. A prestação de serviços deve ser eventual ou por projeto, não contínua e exclusiva.

Situações que caracterizam pejotização irregular incluem exigência da empresa para que o trabalhador constitua pessoa jurídica como condição para contratação, subordinação clara com cumprimento de horário fixo e controle de jornada, exclusividade ou dependência econômica em relação a um único tomador, uso de uniformes e crachás da empresa contratante, e integração completa à estrutura operacional como se empregado fosse.

As consequências do reconhecimento de vínculo empregatício em relação mascarada como PJ são graves. A empresa será condenada a pagar todas as verbas trabalhistas retroativas como se o vínculo sempre tivesse existido: FGTS com multa, férias com terço constitucional, décimo terceiro salário, horas extras, adicional noturno, INSS, além de multas administrativas pelo Ministério do Trabalho e possível enquadramento em fraude trabalhista.

Trabalho intermitente e suas particularidades

A reforma trabalhista de 2017 criou o contrato de trabalho intermitente, modalidade em que a prestação de serviços não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de trabalho e inatividade. O trabalhador é convocado conforme a necessidade da empresa, recebendo apenas pelas horas efetivamente trabalhadas.

Nessa modalidade, o empregador convoca o trabalhador com pelo menos três dias de antecedência, informando a jornada esperada. O trabalhador pode aceitar ou recusar a convocação sem que isso configure insubordinação. Durante os períodos de inatividade, não há pagamento de salário, mas o tempo de inatividade não descaracteriza o vínculo empregatício.

O pagamento é feito ao final de cada período de prestação de serviços, incluindo remuneração proporcional, férias proporcionais com acréscimo de um terço, décimo terceiro salário proporcional, repouso semanal remunerado e adicionais legais. O FGTS é recolhido mensalmente sobre a remuneração efetivamente paga.

O trabalho intermitente é adequado para atividades com demanda sazonal ou variável, como eventos, turismo, alimentação e comércio com picos de movimento. Não é adequado para atividades que exigem presença contínua ou jornada regular, pois nesses casos a caracterização de fraude é evidente.

Jurisprudência recente tem sido cautelosa com contratos intermitentes que mascaram relações de emprego tradicionais. Contratos intermitentes com convocações regulares e previsíveis, que na prática configuram jornada habitual, têm sido recaracterizados como contratos por prazo indeterminado, com pagamento das diferenças salariais correspondentes.

Teletrabalho e trabalho remoto

O teletrabalho, também regulamentado pela reforma trabalhista e posteriormente modificado durante a pandemia, representa modalidade em que a prestação de serviços é realizada preponderantemente fora das dependências do empregador, com utilização de tecnologias de informação e comunicação.

Para configuração lícita do teletrabalho, deve haver previsão expressa no contrato de trabalho ou aditivo contratual, especificando as atividades que serão realizadas, a responsabilidade pela aquisição, manutenção ou fornecimento de equipamentos e infraestrutura necessária, e o reembolso de despesas arcadas pelo empregado.

Uma das particularidades controversas do teletrabalho é a questão do controle de jornada. A legislação estabelece que empregados em regime de teletrabalho estão fora do controle de jornada, não fazendo jus a horas extras. Porém, se a empresa mantém controle efetivo através de softwares de monitoramento, videoconferências obrigatórias em horários determinados ou exigência de disponibilidade constante, jurisprudência tem reconhecido o direito a horas extras.

A pandemia de COVID-19 acelerou dramaticamente a adoção do trabalho remoto, levando o legislador a criar regras emergenciais posteriormente tornadas permanentes. Empresas que desejam implementar ou manter trabalho remoto devem formalizar adequadamente a alteração, especificar responsabilidades sobre custos de infraestrutura doméstica, estabelecer regras claras sobre jornada e disponibilidade, e respeitar o direito à desconexão do trabalhador.

Estágio e menor aprendiz

O contrato de estágio, regulado pela Lei 11.788/2008, é instituto destinado exclusivamente a estudantes regularmente matriculados em instituições de ensino superior, profissional, médio, educação especial ou dos anos finais do ensino fundamental. Não gera vínculo empregatício quando observadas as exigências legais, mas sua descaracterização é extremamente comum.

Para validade do estágio, são obrigatórios termo de compromisso entre empresa, estagiário e instituição de ensino, supervisão por profissional da empresa, compatibilidade das atividades desenvolvidas com as competências previstas no currículo do curso, seguro contra acidentes pessoais e jornada máxima compatível com atividades escolares.

A utilização de estagiários para substituir mão de obra regular, sem efetiva função pedagógica, caracteriza fraude que resulta em reconhecimento de vínculo empregatício retroativo. Estagiários não podem executar atividades operacionais rotineiras da empresa sem supervisão e sem relação com o aprendizado previsto no curso.

O menor aprendiz, por sua vez, é modalidade destinada a jovens entre 14 e 24 anos matriculados em programa de aprendizagem profissional. Diferentemente do estágio, o contrato de aprendizagem gera vínculo empregatício, com direitos trabalhistas assegurados proporcionalmente à jornada reduzida. Empresas de médio e grande porte têm cota obrigatória de aprendizes entre 5% e 15% do total de empregados em funções que demandem formação profissional.

Cooperativas de trabalho

As cooperativas de trabalho são sociedades constituídas por trabalhadores para prestar serviços a terceiros, com gestão democrática e repartição dos resultados entre os cooperados. A Lei 12.690/2012 regulamenta especificamente as cooperativas de trabalho, estabelecendo requisitos para sua constituição e funcionamento regular.

Para que a cooperativa de trabalho seja legítima, deve haver dupla qualidade dos cooperados, que são simultaneamente donos e usuários da cooperativa, autonomia e independência dos cooperados na execução dos serviços, não subordinação entre cooperados ou entre cooperados e cooperativa, e retribuição baseada em rateio das sobras e não em salário.

A contratação de cooperativas de trabalho por empresas é lícita, mas cercada de cautelas. Se a cooperativa funciona como mera intermediadora de mão de obra, sem características associativas reais, será considerada fraudulenta com reconhecimento de vínculo direto entre os trabalhadores e a empresa tomadora.

Indícios de fraude incluem subordinação direta dos cooperados aos prepostos da tomadora, controle de jornada, exclusividade, pessoalidade excessiva e ausência de características cooperativistas como assembleias, participação democrática e livre associação e desassociação.

Responsabilidade trabalhista em grupo econômico

Empresas que integram grupo econômico respondem solidariamente por débitos trabalhistas de qualquer empresa do grupo. Esse instituto visa impedir que empresários utilizem artifícios societários para fraudar direitos trabalhistas, concentrando empregados em empresas sem patrimônio enquanto mantêm ativos em outras entidades.

Caracteriza-se grupo econômico quando há empresas sob direção, controle ou administração comum, ou quando uma empresa integra grupo econômico como sua subsidiária ou controlada. A jurisprudência considera também o grupo econômico de fato, identificado através de indícios como sócios comuns, confusão patrimonial, utilização de mesmos empregados, complementaridade de atividades e unidade de comando.

A existência de grupo econômico permite que empregado de uma empresa do grupo cobre créditos trabalhistas de qualquer outra empresa integrante, ainda que nunca tenha trabalhado diretamente para ela. Isso representa risco significativo para empresários que mantêm múltiplas sociedades, exigindo cuidado na segregação patrimonial e operacional.

Quarteirização e limites da terceirização

A quarteirização representa a contratação, pela empresa terceirizada, de outra empresa para executar parte dos serviços que deveria prestar. Embora não seja expressamente proibida pela legislação trabalhista, gera questionamentos sobre a responsabilidade final pelos trabalhadores.

A jurisprudência tem admitido quarteirização quando a empresa terceirizada mantém supervisão e responsabilidade sobre os serviços, subcontratando apenas parcela específica das atividades. Porém, se a terceirizada funciona apenas como intermediária, repassando integralmente os serviços para a quarteirizada, configura-se fraude com responsabilização solidária da tomadora inicial.

Empresas tomadoras devem estabelecer contratualmente que a terceirizada não pode subcontratar serviços sem autorização prévia, e devem fiscalizar efetivamente se a terceirizada possui estrutura própria para executar os serviços contratados.

Due diligence trabalhista e prevenção de passivos

Empresas que contratam serviços terceirizados devem implementar procedimentos de due diligence trabalhista sobre suas fornecedoras. Essa diligência inclui verificação de regularidade da prestadora junto ao FGTS e INSS, análise de certidões negativas de débitos trabalhistas, conferência de folha de pagamento e comprovantes de recolhimentos dos trabalhadores que prestam serviços, e auditoria periódica das condições de trabalho.

A jurisprudência tem considerado que a tomadora que não fiscaliza adequadamente suas terceirizadas não pode beneficiar-se da responsabilidade subsidiária, sendo responsabilizada solidariamente pelos débitos trabalhistas. Essa mudança de entendimento aumentou significativamente os riscos para empresas tomadoras negligentes.

Medidas preventivas incluem exigência mensal de folhas de pagamento, comprovantes de recolhimento de FGTS e INSS, certidões negativas de débitos trabalhistas e relação de processos judiciais em andamento. Auditorias presenciais verificam se os trabalhadores terceirizados recebem treinamentos adequados, possuem equipamentos de proteção e trabalham em condições dignas.

Fiscalização do trabalho e multas administrativas

O Ministério do Trabalho e Emprego mantém fiscalização ativa sobre as relações de trabalho, com poder para autuar empresas por irregularidades trabalhistas. As multas administrativas variam conforme a infração e o porte da empresa, podendo atingir valores significativos em casos graves ou reincidência.

Infrações comuns que geram autuações incluem falta de registro de empregados, ausência de anotações na CTPS, irregularidades em programas de saúde e segurança do trabalho, jornadas excessivas sem pagamento de horas extras, terceirização irregular e trabalho infantil.

Empresas autuadas têm direito à defesa administrativa, podendo contestar os autos de infração e comprovar a regularidade de suas práticas. A prescrição das multas administrativas trabalhistas é de cinco anos contados da data da infração, e empresas com reincidência enfrentam agravamento significativo das penalidades.

Acordos coletivos e flexibilização de direitos

A reforma trabalhista ampliou significativamente a possibilidade de negociação coletiva prevalecer sobre a legislação trabalhista. Acordos e convenções coletivas podem estabelecer condições específicas sobre jornada de trabalho, banco de horas, intervalo intrajornada, plano de cargos e salários, teletrabalho e outras matérias.

Essa prevalência do negociado sobre o legislado, contudo, não é absoluta. Direitos constitucionais como salário mínimo, FGTS, décimo terceiro salário, repouso semanal remunerado, licença maternidade e paternidade, férias anuais remuneradas com acréscimo de um terço, e normas de saúde e segurança do trabalho não podem ser suprimidos por negociação coletiva.

Empresas devem buscar negociação coletiva com sindicatos representativos para formalizar suas práticas de contratação flexível, obtendo respaldo jurídico maior contra questionamentos individuais de trabalhadores.

Considerações finais sobre relações trabalhistas

A escolha da modalidade de contratação de trabalhadores representa decisão estratégica que equilibra eficiência operacional e segurança jurídica. Não existe modalidade isenta de riscos, mas há práticas que reduzem significativamente a exposição a passivos trabalhistas.

A transparência nas relações, o cumprimento rigoroso dos requisitos legais de cada modalidade de contratação, a documentação adequada e a assessoria jurídica preventiva são investimentos que se pagam ao evitar processos trabalhistas custosos. Empresas que tratam suas relações de trabalho com seriedade e respeito aos trabalhadores constroem reputação positiva, atraem talentos e afastam riscos que podem comprometer sua viabilidade econômica.

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