Você Sabe o que é Split Payment e Como Ele Vai Impactar Sua Vida?
A Revolução Silenciosa que Começa em 2027 e Vai Transformar Completamente a Forma Como os Impostos São Cobrados no Brasil
Uma mudança estrutural está prestes a redesenhar completamente o sistema tributário brasileiro, mas a maioria dos empresários e consumidores ainda não compreende sua dimensão. O split payment — ou pagamento segregado — é a engrenagem central da nova Reforma Tributária que promete acabar com a sonegação fiscal, mas também trará impactos profundos no caixa das empresas, especialmente das pequenas e médias.
A partir de 2027, quando o mecanismo entrar em operação de forma facultativa, e gradualmente até 2033, o Brasil adotará um sistema onde o tributo não passa mais pelo caixa da empresa. Em cada transação eletrônica — seja por PIX, cartão, boleto ou TED — o valor do imposto será automaticamente separado e enviado direto aos cofres públicos no momento do pagamento.
Parece simples na teoria. Mas na prática, essa mudança representa um dos maiores desafios tecnológicos e financeiros já enfrentados pelo setor produtivo brasileiro.
O Que é Split Payment? Entenda o Mecanismo
O split payment é um sistema de recolhimento automático de tributos integrado ao momento da transação financeira. Quando implementado, funcionará da seguinte forma:
Modelo atual (até 2026):
- Cliente paga R$ 100 ao fornecedor
- Fornecedor recebe R$ 100 no caixa
- No mês seguinte, fornecedor calcula e recolhe os tributos (ex: R$ 26,50)
- Fornecedor usa temporariamente esse valor como capital de giro
Modelo com split payment (a partir de 2027):
- Cliente paga R$ 100
- Sistema bancário identifica a nota fiscal vinculada
- Tributos (R$ 26,50) são retidos automaticamente e enviados ao fisco
- Fornecedor recebe apenas R$ 73,50 no caixa
- Não há mais intervalo entre recebimento e pagamento do imposto
Essa mecânica elimina a etapa intermediária em que o contribuinte retém temporariamente o valor dos impostos, o que hoje é utilizado por muitas empresas como fonte de capital de giro durante cerca de 20 dias em média.
Cronograma: Quando o Split Payment Entra em Vigor
A implementação seguirá um calendário gradual, conforme estabelecido pela Lei Complementar 214/2025 e confirmado pela Receita Federal:
2026 – Ano de Testes Operacionais
Começa a fase de calibragem com alíquotas simbólicas: CBS de 0,9% e IBS de 0,1%. Os valores recolhidos poderão ser compensados com PIS e COFINS. Empresas que cumprirem todas as obrigações acessórias estarão dispensadas do pagamento efetivo.
2027 – Entrada Facultativa do Split Payment
A Receita Federal confirmou que o split payment será implementado de forma facultativa e gradual a partir de 2027. O mecanismo será opcional nas operações B2B (entre empresas), com obrigatoriedade aplicada apenas à medida que os setores estiverem preparados.
Início da cobrança plena da CBS, com extinção do PIS e COFINS. Alíquotas do IPI serão reduzidas a zero, exceto para produtos da Zona Franca de Manaus.
2028 em diante – Expansão Gradual
Ampliação progressiva da obrigatoriedade do split payment conforme maturidade tecnológica dos setores.
2033 – Transição Completa
Substituição total do ICMS e ISS pelo IBS, consolidando o novo modelo de tributação sobre o consumo no país.
O Sistema que Fará Tudo Funcionar: ROC e Motor de Apuração
O sistema dependerá do ROC (Registro de Operações de Consumo), que funcionará como uma central federativa de transações, conectando pagamentos, notas fiscais e apuração tributária em tempo real. O ROC será operado com governança compartilhada entre União, estados e municípios.
A segregação do pagamento ocorrerá de forma integrada à emissão da Nota Fiscal eletrônica, cruzando informações com plataformas de pagamento. Um “motor de apuração” calculará e distribuirá os tributos em tempo real com base nos dados da nota fiscal e nas regras tributárias aplicáveis.
A Receita Federal está desenvolvendo ferramentas como a calculadora da reforma tributária, já em uso no projeto-piloto da CBS, que permite às empresas acoplar seus sistemas para calcular automaticamente os tributos devidos.
O Impacto que Ninguém Está Contando: O Golpe no Fluxo de Caixa
Aqui está o problema que deve tirar o sono de milhares de empresários: a retenção imediata dos tributos elimina uma fonte crucial de capital de giro.
Empresas que hoje dependem de vendas a prazo enfrentarão um descompasso crítico: em vendas parceladas de 90 a 120 dias, o fornecedor poderá ser obrigado a pagar IBS e CBS integralmente já no mês seguinte, enquanto só receberá do cliente meses depois.
Exemplo Prático do Impacto:
Uma empresa vende R$ 1 milhão em equipamentos com pagamento parcelado em 4 meses.
Com as alíquotas combinadas de 26,5% (IBS + CBS):
- Tributo devido: R$ 265.000
- No modelo atual: empresa recebe R$ 1 milhão ao longo de 4 meses e paga tributo depois
- No split payment: os R$ 265 mil são segregados de imediato, mas a empresa só recebe os R$ 1 milhão em quatro parcelas mensais, criando um descompasso que rompe a neutralidade tributária
Empresas com maior capacidade financeira conseguirão oferecer prazos longos de pagamento, enquanto pequenas e médias empresas podem ser forçadas a exigir pagamento à vista, perdendo competitividade no mercado.
O Alerta dos Especialistas
Segundo especialistas em Direito Tributário, o ciclo financeiro das empresas exigirá atenção redobrada, com necessidade de acompanhar minuto a minuto a situação dos créditos e débitos. Se o sistema de split não funcionar adequadamente, pode gerar problemas muito graves nas operações.
Desafios Tecnológicos: Uma Aposta de Alto Risco
A complexidade tecnológica do split payment é monumental. O volume de dados a ser processado é estimado em até 150 vezes superior ao do PIX, que já processa milhões de transações diárias.
Infraestrutura Necessária:
1. Integração em Tempo Real O sistema exige conexão entre documentos fiscais e informações financeiras para calcular, em tempo real, os débitos e créditos dos contribuintes através da Apuração Assistida.
2. Sincronia Perfeita Entre Múltiplos Atores A Receita Federal, o Comitê Gestor do IBS, as instituições financeiras e os prestadores de serviços de pagamento precisarão operar em total sincronia, sem margem para falhas.
3. Adequação dos Sistemas Empresariais Empresas precisarão investir em:
- Atualização de ERPs para novos layouts de nota fiscal
- Integração com plataformas bancárias
- Sistemas de conciliação automatizada
- Treinamento extensivo de equipes contábil, fiscal e financeira
O Risco da Infraestrutura
Apenas 8% das empresas brasileiras fizeram estudos para a reestruturação necessária, enquanto a maioria está esperando a regulamentação finalizar para agir — um comportamento que pode ser catastrófico quando o sistema entrar em operação.
A Compensação de Créditos: Mudança Radical no Modelo
Uma das maiores mudanças do novo sistema é que os créditos da CBS e do IBS somente poderão ser apropriados quando houver a extinção efetiva do débito tributário. Isso representa uma ruptura com o modelo atual, baseado no simples destaque em nota fiscal.
O que isso significa na prática:
O comprador só poderá se creditar se o fornecedor anterior tiver recolhido efetivamente os tributos. Isso cria uma cadeia de dependência onde cada elo precisa estar em conformidade para que o próximo possa usar seus créditos tributários.
Se houver falha de conexão no sistema durante o recolhimento, o imposto será devolvido em três dias úteis. O sistema aplicará o split parcialmente sobre valores não pagos para garantir a efetividade do crédito.
Benefícios do Split Payment: Por Que o Governo Aposta Tanto Nisso
Apesar dos desafios, o split payment traz vantagens inegáveis para o sistema tributário:
1. Fim da Sonegação Estrutural
O sistema elimina a janela de tempo entre a operação e o pagamento efetivo do tributo, acabando com margem para inadimplência, uso indevido de créditos e fraudes estruturadas como as “notas frias”.
2. Segurança Jurídica no Crédito Tributário
Contribuintes terão maior segurança jurídica na apropriação de créditos, uma vez que o recolhimento é realizado diretamente ao fisco no momento da transação, garantindo o direito ao crédito com base em operações efetivamente recolhidas.
3. Redução da Litigiosidade
Com rastreabilidade total das operações, há redução de disputas sobre créditos indevidos ou operações fictícias.
4. Melhoria na Fiscalização
O sistema proporciona maior transparência e rastreabilidade dos tributos, melhorando a eficiência da fiscalização e o controle das operações.
Os Riscos que Preocupam Especialistas
Experiências na União Europeia demonstraram que os gastos administrativos e tecnológicos de implementação do split payment podem, em muitos casos, superar os benefícios obtidos com a redução da fraude.
Principais Riscos Identificados:
1. Custo de Implementação Desproporcional No Brasil, a tendência é que esses custos sejam, em grande parte, repassados ao setor privado, onerando desproporcionalmente os pequenos contribuintes que já enfrentam um ambiente regulatório complexo.
2. Impacto nas Pequenas Empresas Pequenas empresas terão dificuldade de implementação devido a recursos escassos para investimentos em tecnologia. O diretor de Controladoria da Lojas Renner classificou como “um desafio tecnológico sem precedentes no mundo de uso em escala”.
3. Brecha para Informalidade Como dinheiro físico e cheques não podem ser controlados pelo sistema, há o risco de pequenas empresas negociarem descontos em dinheiro para burlar o split payment, com a alíquota de 26,5% servindo como potencial desconto para pagamentos em espécie.
4. Morosidade na Devolução de Créditos Empresas com créditos acumulados podem enfrentar morosidade estatal na restituição, levando meses ou exigindo ações judiciais, comprometendo a sobrevivência de negócios.
Como as Empresas Devem se Preparar
Com o início dos testes em 2026 e implementação efetiva em 2027, empresas precisam agir imediatamente. Especialistas recomendam:
1. Revisão Completa do Fluxo de Caixa
- Mapeie o impacto da retenção imediata de tributos
- Identifique necessidades adicionais de capital de giro
- Renegocie prazos com fornecedores e clientes
2. Investimento Tecnológico Urgente
- Atualize sistemas ERP para os novos layouts fiscais
- Estabeleça integração com sistemas bancários
- Implemente conciliação automatizada de pagamentos
3. Capacitação das Equipes
- Treine departamentos contábil, fiscal e financeiro
- Crie rotinas de controle de créditos em tempo real
- Estabeleça processos de governança para o novo modelo
4. Planejamento Financeiro Antecipado
- Busque linhas de crédito específicas para capital de giro
- Monte um colchão financeiro para a transição
- Revise políticas de preços e prazos de pagamento
5. Participação no Projeto Piloto
47 das 66 empresas convidadas confirmaram participação no projeto-piloto da CBS que começou em julho de 2025. A Receita Federal está desenvolvendo o sistema cooperativamente com as empresas participantes.
Operações que Ficarão de Fora do Split Payment
É importante saber que nem tudo passará pelo novo sistema:
- Pagamentos em dinheiro físico: não há como controlar eletronicamente
- Cheques: fora do sistema de pagamento digital
- Permutas: operações de troca sem transação financeira
- Operações B2C inicialmente: o sistema começará facultativo no B2B
A Penalidade Escondida de 2026
Um detalhe crucial que tem passado despercebido: empresas que não emitirem os novos documentos fiscais em 2026 serão obrigadas a recolher efetivamente a CBS (0,9%) e o IBS (0,1%) naquele ano, mesmo sendo um período de testes. A penalidade consta do artigo 348 da Lei Complementar 214/2025.
Ou seja: adaptar-se não é opcional. Empresas que não se adequarem às obrigações acessórias terão que pagar tributos que, em tese, seriam apenas simbólicos em 2026.
Split Payment no Mundo: Exemplos e Lições
O Brasil não é o primeiro país a tentar implementar o split payment. Países da União Europeia, como Itália e Polônia, testaram versões limitadas do sistema:
Itália: Implementou para contratos governamentais, com resultados mistos devido à complexidade operacional.
Polônia: Adotou sistema voluntário que teve baixa adesão devido ao impacto no fluxo de caixa das empresas.
Relatórios da Comissão Europeia de 2019 mostraram que os gastos com implementação frequentemente superaram os benefícios na redução de fraudes.
A diferença do Brasil é a escala: pretendemos aplicar o sistema de forma ampla e obrigatória em toda a economia, algo nunca tentado dessa magnitude.
O Papel das Instituições Financeiras
Os bancos e instituições de pagamento serão peças-chave no funcionamento do split payment. Eles precisarão:
- Processar transações identificando automaticamente notas fiscais vinculadas
- Segregar valores de tributos em tempo real
- Repassar os valores ao fisco instantaneamente
- Manter sistemas integrados com o ROC
- Garantir disponibilidade 24/7 sem falhas
O Brasil é um dos países mais avançados em tecnologia de meios de pagamento, segundo especialistas, o que pode ser um diferencial para o sucesso da implementação.
Conclusão: Prepare-se ou Enfrente as Consequências
O split payment não é apenas mais uma mudança burocrática — é uma reengenharia completa do sistema tributário brasileiro. A partir de 2027, a forma como as empresas lidam com tributos mudará radicalmente, com impactos diretos no fluxo de caixa, nas operações diárias e na competitividade de mercado.
As empresas se dividirão em dois grupos:
- As preparadas: que investiram em tecnologia, ajustaram processos, capacitaram equipes e revisaram seu planejamento financeiro — essas sairão na frente com vantagens competitivas.
- As despreparadas: que esperaram até o último momento e enfrentarão problemas operacionais, falta de liquidez, penalidades e possível inviabilização de suas operações.
A transição já começou. Os testes de 2026 estão a apenas meses de distância. O split payment é inevitável e irreversível.
A pergunta não é mais “se” isso vai acontecer, mas sim: sua empresa estará pronta quando acontecer?
Fontes e Referências
- Lei Complementar nº 214/2025 – Regulamentação do IBS e CBS
- Receita Federal do Brasil – Projeto Piloto Split Payment (2025)
- Ministério da Fazenda – Reforma Tributária Regulamentação
- Thomson Reuters – Análise Split Payment
- Sistema FENACON – Impactos no Fluxo de Caixa
- Comissão Europeia – Relatórios sobre Split Payment (2019)
- Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET)
- Jornal do Comércio – Entrevistas com especialistas (setembro 2025)
Última atualização: Outubro de 2025
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